O Econonista Potuguês lembra que o artigo seguinte do Epidemiologista Anónimo ganha muito se forlido até à útima linha
Novidades, novidades, como dizia o slogan, só as encontrei na DGS. É preciso explicar melhor: não foi bem na DGS, onde a coisa teve origem e deve estar soterrada por uma grossa camada de pó informático acumulado pela falta de uso e de limpeza, impenetrável à minha fraca capacidade de escavação arqueológica agravada pelo facto de estarmos num país em que tudo é segredo de estado que não pode estar ao alcance da populaça.
A referida peça arqueológica encontrei-a algo deslocada do lugar em que foi fabricada: nada menos do que num blog que, aparentemente, é mantido por um espontâneo bairrista de Carnaxide. Vale a pena ler, com as necessárias cautelas relativamente à dispepsia que a ingestão de tanta palha pode provocar em estômagos mais frágeis. É obra de tomo, 300 páginas de substancial prosa administrativa e burocrática; mas, conhecendo o estilo, conseguimos ir afastando a palha e chegar ao miolo, que começa quase no meio do calhamaço, na página 135. A partir daí, e afastando algumas gorduras, chegamos à parte mais nobre, ao bife, por volta da página 140.
Descrita a ementa, e com o leitor já a salivar, revelo-lhe no que consiste o pitéu: nada menos que o “Plano de Contingência – 2ª edição” elaborado pela DGS em ….. (rufo de tambor) … 2008, para a pandemia que estava a caminho, da “gripe das aves”. E, nota importante, entre os cozinheiros que prepararam a iguaria, está uma certa “Maria da Graça Freitas”, identificada como uma das duas responsáveis pela “Coordenação da Edição” e como um dos autores (que são muitos).
Disse que afastei mais de 130 páginas de palha até chegar ao “bife”. Pois o “bife” são as medidas preconizadas e as respectivas fundamentações. É curioso saber que, ainda há uma dúzia de anos, e de acordo com matéria que pouco ou nada foi investigada (internacionalmente) desde então, esta senhora subscreveu uma afirmação como esta, retirada da página 141:
“Quanto ao público em geral, não existe evidência firme de que o uso universal de más- caras cirúrgicas possa contribuir para a redução da transmissão do vírus da gripe. Du- rante a epidemia da SRA, os resultados de alguns estudos observacionais sugeriram fraca evidência quanto ao seu efeito protector para os utilizadores. É, assim, difícil tomar uma posição fundamentada quanto à utilização generalizada deste equipamento, tanto mais que o seu uso indevido não é isento de riscos. Por exemplo, a utilização de máscaras cirúrgicas húmidas ou molhadas pode ter o efeito inverso, isto é, aumentar o risco de infecção.”
Ou como esta, um pouco mais adiante na mesma página:
“O isolamento precoce dos doentes, geralmente em casa, assim que iniciam um quadro clínico compatível com gripe, é recomendado, essencialmente por se revestir de clara plausibilidade científica, começando a haver estudos que o indicam.”
Daqui sublinho a expressão importante: “quadro clínico compatível com gripe”. Ou seja, observação clínica, médica. Ou seja, pessoas com sintomas de doença. Não se fala de “casos” de portadores de vírus, mas de pessoas doentes. E muito menos se fala de por de quarentena pessoas saudáveis só porque contactam ou contactaram com outras, portadoras do vírus.
MAS HÁ MAIS, os cozinheiros esmeraram-se na preparação de vários pratos! Na página seguinte (142), encontramos:
“A identificação e a vigilância dos contactos são medidas habitualmente preconizadas. Contudo, com base no conhecimento da efectividade de algumas das medidas de saúde pública durante os surtos sazonais de gripe, é de admitir que, em situação de gripe pandémica, o isolamento dos doentes e a identificação dos contactos e a sua vigilância sejam medidas apenas exequíveis enquanto o número de casos for reduzido.
A quarentena (isolamento dos contactos) não é geralmente recomendada. A execução desta medida levanta questões de ordem prática, por vezes difíceis de contornar, nomeadamente nas situações de epidemia ou de pandemia, pelo elevado número de pessoas que potencialmente poderá envolver. Por outro lado, nem sempre é fácil identificar quem foi ?verdadeiramente? exposto.”
Vigilância de contactos apenas “enquanto o número de casos for reduzido”… mas isso já não é válido em 2020? Ou em 2020 a DGS tem tanto pessoal que pode fazer o que em 2008 não era “exequível”?
Espantoso, não é? MAS AINDA HÁ MAIS! Logo no parágrafo seguinte a esta transcrição:
“Todavia, a aplicação da quarentena poderá justificar-se em situações excepcionais, em função da avaliação de risco, por exemplo, num quadro de contenção da propaga- ção do vírus, em ambiente hospitalar ou outros ambientes com pessoas institucio- nalizadas, sobretudo quando haja elevado risco de complicações de gripe, como pode verificar-se nos lares de idosos.”
Aparentemente, a ilustre autora, nestes 12 anos, esqueceu-se da importância dos lares de idosos, pois não lhes ligou nenhuma no início da epidemia de 2020! E porquê? Atrevo-me a propor uma explicação: a Organização Mundial de Saúde está sempre muito mais preocupada, e direccionada, para os países com menores recursos e estruturas mais fracas, por isso esqueceu-se de falar, em 2020, nos lares de idosos, coisa que só existe em países já com algum desenvolvimento. E, como a OMS não falo no assunto, a drª Graça Freitas também se esqueceu do que assinara em 2008…
MAS AINDA HÁ MAIS! Um pouco mais adiante, esta iguaria:
“As recomendações apresentadas dizem respeito às formas voluntárias de isolamento dos doentes e de quarentena dos contactos. Quando estas duas medidas se tornam compulsivas levam à discriminação, à fuga e à negação da doença, pelo que acabam por não surtir o efeito desejado.”
A decisão voluntária, livre, não imposta repressivamente. Curiosamente, a política preconizada e seguida, com excelentes resultados, na Suécia, em 2020…
E AINDA HÁ MAIS! Na página seguinte (143), encontramos:
“A experiência demonstra que o rastreio de doentes e a sua quarentena nas fronteiras não atrasam substancialmente a entrada do vírus num país (…) De acordo com a evidência obtida durante o surto da SRA em Hong Kong, relativamente ao rastreio de viajantes assintomáticos partindo de áreas afectadas — rastreio de saída –, a efectividade do rastreio por aplicação de questionário é superior à do rastreio por medição da temperatura corporal.”
Haverá uma ou duas semanas, ouvi um responsável (não sei se faltam duas letras no início deste qualificativo), creio que madeirense, a gabar-se de que gastou 600 mil euros a montar um sistema de rastreio por temperatura no aeroporto, e que já tinha valido a pena pois permitira em uma semana identificar …. (rufo de tambores) …. SEIS CASOS de passageiros infectados! A 100 mil euros por “caso” (que nem sequer estava doente), cabe perguntar: não havia coisas mais úteis em que gastar mais de meio milhão de euros?
Mas há ainda mais “bife” no dito documento. Mais adiante, ainda na pág. 143:
“Um estudo da Health Protection Agency do Reino Unido sugere que, para ter um efeito significativo na propagação de uma pandemia, a redução dos voos de e para as áreas afectadas deve ser quase total e instantânea, o que, na prática, se torna inviável.”
Em 2020, o “quase instantâneo” foi sempre (palavras do Primeiro Ministro, repetidas várias vezes, de cada vez que inventou modos de funcionamento e um país de fábula que existiria apenas nas duas semanas seguintes) “a partir da próxima segunda feira”: fecho do aeroporto, cancelamento de desembarques de cruzeiros, etc. Aparentemente, a autora esqueceu-se do que escrevera há doze anos e não avisou o Primeiro Ministro que, na segunda feira que vem, já é tarde e mais vale estar quieto…
E, fechando com chave de ouro, mais esta pérola:
“Na selecção das medidas de saúde pública deverão ponderar-se não só os benefícios esperados (efectividade), mas também as consequências adversas decorrentes da sua operacionalização (impactes social e económico), em consonância com o princípio primum non nocere da Medicina.”
Ou seja, aparentemente, nestes 12 anos, a autora, além de se esquecer do que escreveu no Plano de Contingência de 2008, também se esqueceu do princípio da medicina, que cita, nada menos do que um dos pontos do “Juramento de Hipócrates”. Porque, em 2020, privou de assistência uma população de centenas ou milhares de doentes, muitos dos quais que terão morrido, não de COVID-19 mas em consequência da histeria supersticiosa à volta desta doença, a que foi dada prioridade em todo o sistema hospitalar, na maioria dos casos desnecessariamente suspendendo todos os outros cuidados de saúde.
Que tal?
O balanço a fazer, em síntese, é que a DGS, em 2008, elaborou um plano de contingência razoavelmente fundamentado na ciência, semelhante ao que foi adoptado na maioria dos países do mundo, e que permitiu passar pela “pandemia” de 2009 sem danos nem consequências graves, tanto para os já depauperados (em todo o mundo; estava-se na grande crise financeira) serviços de assistência médica como para a economia (que recuperava da crise financeira). Princípios científicos que foram postos em prática, em 2020, em alguns países, de que vale a pena destacar a Suécia e o Japão, com excelentes resultados, agora que a epidemia neles terminou (as epidemias “não se medem aos casos”: medem-se pelo número de mortos, e nestes dois países, entre outros, já deixou de haver mortes). O que nos leva a pergutar: qual a razão pela qual tanta gente desaprendeu o que é da instrução geral e, pior ainda, o que é da sua especialização científica? Pergunta teórica, para ser resolvida teoricamente, se é que a humanidade quiser desembaraçar-se saudavelmente deste período negro da História. Como sempre, há pelo menos dois caminhos (as TINAs apenas existem na ideologia da classe dominante).
Enquanto não descobrirem que o estou a divulgar e o retirem da internet, o Plano de Contingência de 2008 está onde indico a seguir; mas, mesmo que seja censurado, já guardei uma cópia:
https://www.carnaxidedigital.com/plano_contingencia.pdf
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