Dívidas Portuguesa e Irlandesa: o Dr. Passos Coelho Engana-Se Ou Engana-Nos

O Sr. Primeiro Ministro afirmou ontem, segundo a imprensa portuguesa: «a “Irlanda tem uma dívida muito parecida com a portuguesa”, que “é sustentável, como a nossa”».

Esta resposta foi dada porque o Eurostat publicou ontem estatísticas sobre a dívida pública no terceiro trimestre do ano passado, revelando que a dívida portuguesa era a terceira maior da União Europeia (Ue), e a irlandesa a quarta maior, respetivamente 110% do Pib e 104%. A Grécia era a recordista, seguida pela Itália. Os jornalistas viram esses dados e interrogaram o Dr. Passos Coelho. O gráfico seguinte resume a situação.

Fonte: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/2-06022012-AP/EN/2-06022012-AP-EN.PDF

A afirmação do Dr. Passos Coelho está infelizmente enganada, como o leitor concluirá por certo depois de examinar os dados seguintes.

É mais fácil pagar a dívida, e ela é mais sustentável, se houver crescimento económico. O Eurostat prevê que em 2012  o Pib da Irlanda cresça 1% e o de Portugal diminua 3%. Portugal está em pior situação. Os dados estão no link seguinte.

http://epp.eurostat.ec.europa.eu/tgm/table.do?tab=table&plugin=1&language=en&pcode=tsieb020

O volume do défice do orçamento do Estado é outro fator que influencia a sustentabilidade da dívida. A Irlanda reduziu um défice de cerca de 30% do Pib em 2010 para menos de 9 % o ano passado e prevê cumprir a sua meta de 8,6% no ano corrente. A Irlanda obteve da troika um calendário mais lento e mais sensato do que o calhou a Portugal e só pretende chegar aos 3% de défice em 2015. Sem truques contabilísticos, o nosso défice não é muito menor do que o da Irlanda, em percentagem do Pib. Portugal e a Irlanda estão em igualdade de circunstâncias, face a este critério.Os dados estão no link seguinte.

http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/government_finance_statistics/data/main_tables

Para conseguir crescimento económico, os países em cura de austeridade só podem recorrer às exportações. Ora o comércio externo da Irlanda é cerca de 110% do  seu Pib e o de Portugal uns míseros 41%. Como as exportações irlandesas são 45% do Pib e as portuguesas apenas 18%, o esforço exportador português tem que ser 2,5 superior ao irlandês para conseguir o mesmo aumento de quota internacional. Portugal está pior do que a Irlanda.Os dados estão no link seguinte.

http://stats.oecd.org/Index.aspx;

Um outro fator desfavorece o nosso país: a velocidade de desaceleração da dívida estatal. No terceiro trimestre do ano passado, a dívida irlandesa cresceu bastante menos do que a portuguesa, segundo os dados publicados ontem pelo Eurostat. Voltaremos a este assunto.

Acresce que a crise não é apenas da dívida soberana, para usar essa curiosa expressão. A crise é da balança de pagamentos correntes. Ora Portugal tem uma balança de pagamentos correntes deficitária, como a Grécia, ao passo que a  Irlanda tem um superavit. O Deutsche Bank publicou há dias uma comparação entre os três países em crise, Greece, Ireland, Portugal More growth via innovation , e salienta este aspeto. Os dados do gráfico seguinte são reveladores: Portugal está do lado da Grécia e não do da Irlanda.

GR = Grécia; PT = Portugal; IE = Irlanda

Outro fator sublinhado no estudo do Deutsche Bank é ter a economia portuguesa entrado em regressão tecnológica há uns dez anos. Como o crescimento deve vir da inovação tecnológica, o leitor percebe sem dificuldade a consequência para nós. O gráfico abaixo é também revelador.

O relatório do Deutsche Bank nunca se pronuncia de modo direto sobre a sustentabilidade da dívidas dos três países. Mas, se o leitor o ler, verá que, para ele, Portugal está mais próximo da Grécia do que da Irlanda. O relatório está em:

http://www.dbresearch.com/PROD/DBR_INTERNET_EN-PROD/PROD0000000000283994.pdf

Pelas razões acima sumariadas, a dívida irlandesa é mais sustentável do que a portuguesa. Infelizmente. Mas a verdade é mais amiga.

Pedimos ao Sr. Primeiro Ministro que melhore a qualidade do seu aconselhamento económico, para não ser forçado a proferir afirmações inexatas, que aliás só podem prejudicá-lo nos mercados internacionais.

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