O Dr. Passos Coelhou mostrou Ontem na TV que a Srª Merkel (n)o(s) deixou cair

PassosCoelhoMerkelInLoveA Srª Merkel para o Dr. Coelho : «preferi sempre os bonitões morenos» (diz isso para o consolar, na realidade despediu-o porque conhece o conceito de «nuisance value»)

Ontem, antes de começar o conselho de ministros da Eurozona, um sensato responsável transpirenaico disse à Ministra das Finanças portuguesa: «não peça para antecipar o pagamento do empréstimo português, pois isso é suscetível de prejudicar as nossas negociações com a Grécia». A Drª Maria Luís Albuquerque ficou banza: ela e o seu brain trust não tinham pensado que as eleições gregas influenciassem esse saboroso pagamento – pelo contrário, os serviços de propaganda do governo inundaram domingo de manhã a ductil imprensa portuguesa com notícias sobre a nossa muralha contra a catástrofe financeira provocada pela eventual vitória do Syriza. Tendo tomado o pequeno almoço bruxelino nessa doce e leda ignorância da vida política europeia, a Drª Albuquerque logo telefonou ao Dr. Passos Coelho, pedindo-lhe instruções. Daí resultou a Drª Albuquerque transmutar o pedido em ponto de informações, o que por definição exclui decisões, ao contrário portanto do que fora anunciado.

Este telefonema explica em boa parte as declarações extraordinárias que o Dr. Passos Coelho, perturbado, proferiu  na televisão explicando que os Gregos tinham votado um programa incompatível com o da União Europeia e, sem se dar conta da contradição, desejar-lhes êxito, desejo valorizado aliás com a declaração da sua franqueza. Uma das razões dessa contradição, explicou ontem o Dr. Coelho, é a sua conhecida ideia que, país que não paga a dívida, vai para o inferno ou na melhor das hipóteses para a cadeia de Évora. Coelho disse que no quadro da Eurozona era impossível à Grécia obter um perdão de dívida – esquecido que no quadro da Eurozona  a nova Hélade já obteve nada menos do que dois perdões de dívida, um dos quais, no valor de cem mil milhões de euros, cerca de metade da dívida portuguesa, foi aprovado … por ele próprio, Passos Coelho. Esquecido? Maus conselheiros? Serão estas as palavras exatas?

Com efeito, há muito se sabia que as eleições gregas de domingo passado eram o teste laboratorial à política do Dr. Coelho de ceder em tudo aos nossos credores, sob o pretexto de não termos força para mais; se o Syriza ganhasse as eleições e os credores não negociassem com ele, o Dr. Coelho tinha uma bandeira eleitoral. Mas se vencesse e os credores negociassem com ele, era óbvio que o dito Dr. Coelho devia empacotar as malas e voltar a uma vida de trabalhador das ONGs, exceto se cometesse o milagre de convencer os portugueses, devidamente sondados, que ganhávamos mais em receber da Eurozona menos do que os gregos.

O Dr. Passos Coelho cometeu um segundo erro, ontem revelado: nunca pensou que a Alemanha o deixasse cair e desse a meninos maus, como os gregos, um prémio melhor do que o que lhe dava a ele, um moço auto reconhecidamente bom e amigo dos credores por pura generosidade e sem colocar nesse empenho o menor interesse próprio. O futuro germânico e mais latamente europeu do Dr. Coelho cabe no seguinte silogismo: dado que a Alemanha quer a continuação da Eurozona, e dado que só o Syriza lha pode tirar (nuisance value), tendo que escolher entre o Dr. Coelho e o Sr. Tsipras, cvhefe do Syriza, escolherá o sr Tsipras.

O silogismo talvez só se concretizará por erro das partes: se a Alemanha ou a Grécia puxarem demais a corda, ela partirá. A história está cheia de erros (há um século, a Alemanha, a Grã-Bretanha e a França estavam furiosamente numa guerra que derrotou os três países). Mas no caso a hipótese é improvável: a França e a Itália já começaram a interpor-se. É pequena a proporção de dívida grega em mão de privados  (17%), o que transforma o caso numa negociação do setor público. Aliás, parece ser essa a estratégia do Sr. Tsipras: pagar aos credores privados e isolar os públicos, reduzindo a negociação aos haveres destes. O gráfico seguinte mostra os detentores da dívida grega, por categorias institucionais.

GréciaDívidaDetentoresFonte: Le Figaro, de hoje

O erro do Dr. Coelho foi ter julgado que podia substituir uma política europeia por uma frase de senso comum, boa para ser dita depois do jantar de Natal, enquanto com a mão direita se balouça o balão de Armagnac, ao som das Variações Goldberg: «ai dos países devedores que não pagam as suas dívidas!». Então, de entre os acordes da música de fundo, emerge um poderoso e mavioso «Ah!», é o coro das senhoras, enlevadas por estarem na companhia de um cavalheiro com tanto mundo. Na vida real que temos, aquela frase pseudo económica para pouco mais serve. Aliás, antes da Srª Merkel dar a volta à cabeça dos europeus e de  Kenneth Rogoff/Carmen Reinhart terem dado a volta à cabeça de alguns economistas com umas contas trocadas numa folha de Excel, vencia nos salões da economia de senso comum a máxima oposta, que também deve ser proferida com um cálice de Cognac na mão: «a dívida pública não se paga, recicla-se». Em termos estatísticos, esta frase é preferível à anterior, embora a opção nacional tenha que ser tomada caso a caso.

AnelBorromeuTirando o anel «ninguém saca à Merkel mais que o Passos Coelho» caem os outro dois anéis da propaganda do governo: «governamos melhor» e «preparamos um futuro promissor». O nó borromeu pacientemente enlaçado  pelo Dr. Coelho nos últimos três anos desfaz-se num ápice e cada argola rola para seu lado

Por tudo isso, o Dr. Coelho fica sem argumento para combater o PS nas próximas eleições; o argumento principal era: os alemães não darão ao PS mais do que nos deram a nós. Este argumento caíu ontem.Claro que haverá um compromisso entre a Grécia e os credores e num compromisso ambas as partes cedem. O partido do Dr. Passos Coelho argumentará nas eleições que a Grécia cedeu, que não obteve (tudo) o que pretendia. Mas remará contra a maré: qualquer compromisso deixará a Grécia melhor do que está. Só a catástrofe grega servirá os interesses eleitorais do Dr. Passos Coelho. Ora esta catástrofe é improvável.

A prestação televisiva do Dr. Coelho sugere que ele começou a interiorizar que perderá as próximas eleições legislativas pois, de jubiloso, passou a vasoconstritivo, como ontem o vimos nos noticiários. Há que reconhecer que o Dr. António Costa lhe atirou uma boa malha quando o incluíu entre os derrotados do QE de quinta-feira passada – mas poucos adivinhariam que o chefe do partido governamental  teria tanta pressa em confessar o logro em que caíra na sua política europeia. Logro aliás que era em absoluto dispensável para a concretização da sua política financeira.

O Economista Português ia a escrever, condoído: «coitado do Dr. Coelho!» Mas reteve-se e pensou: «Coitados de nós». É que a caridade bem ordenada começa pela própria casa. Resta a’ O Economista Português sugerir ao Dr. Coelho que medite na conhecida frase: «Roma não paga aos assassinos dos seus generais». A frase consta da doutrina oral do Dr. José Luís Nunes, que Deus tenha, e é a resposta de um proconsul romano aos desavergonhados autores do assassinato de um general romano, por ele contratados e lhe exigiam malcriadamente o salário do crime, que estaria em atraso. Para edificação das criancinhas, que por mero acaso leiam o presente post, não é identificado nem o general romano assassinado, nem o proconsul ardiloso, nem muito menos o assassino mal pago.

3 responses to “O Dr. Passos Coelhou mostrou Ontem na TV que a Srª Merkel (n)o(s) deixou cair

  1. Excelente post! Cumprimentos!

  2. O Economista Português agradece.

  3. Uma vez mais, muito bom artigo e análise de LSM.